terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O Tédio, de Heinrich Heine

- Eu venho aqui, doutor, fazer-vos uma consulta.
A doença que me punge e esteriliza a mocidade e o espírito,
resulta de uma chaga que nunca cicatriza.
Muito embora comum a toda gente, a dor que sofro,
- atroz hipocondria! - tanto me torna pensativo e doente
que já não sei mais o que é paz nem alegria.


Sendo o mais sábio clínico do mundo,
sois também um filósofo notável.
Do peito humano auscultador profundo,
curareis este mal imensurável,
que me esmaga o organismo fibra a fibra,
que me corroí o cérebro e o condensa. 


Eu tenho um coração que já não vibra,
suporto uma cabeça que não pensa.
E este tédio mortal, tédio agoureiro,
que me consome e me escurece os dias,
é como os beijos dados a dinheiro
numa noite de orgias.


- O amigo tem razão, padece realmente.
Contudo, a enfermidade que o devora
é o produto fatal do século de agora.
Podes curá-la, creia apenas num momento.
O tédio é uma sombria, uma fatal loucura.
É a sombra anterior da longa noite escura,
onde se esquece tudo: a sorte, a vida ousada.


Só se lembra um ser, só se lembra um nada.
Diga-me: alguma vez amou? Nunca estrugiu em seu peito,
como as ondas do mar que rugem e se encapelam
ao soturno rumor do vento e da procela?
Junto, bem junto ao seu, que de dores se junca,
bateu um coração apaixonado?


- Nunca!
- Pois então amigo, procure a agitação constante!
Vá visitar a Grécia, o Oriente, a Terra Santa.
São sítios onde tudo se evoca e se decanta
as glórias de uma idade imorredoura e eterna,
que maravilha e deslumbra a geração moderna.


- Em híbridos prazeres passei a mocidade.
Percorri viajando o mundo e a humanidade
como o judeu da lenda.
Entre as mulheres todas cujos lábios beijei
em bacanais e bodas,
mulher nenhuma eu vi sobre a terra tamanha,
que para mim  não fosse uma visão estranha.


Como parti, voltei. Sem achar lenitivo
para este mal, doutor, que assim me traz cativo.
- Frequente o circo, amigo. A figura brejeira
do famoso Arlequim que a esta cidade inteira
palmas e aclamações constantemente arranca,
talvez lhe restitua a gargalhada franca!


- Vejo agora, doutor, que o meu caso é perdido.
O truão de quem falais, o palhaço querido
que anda no Coliseu tão aclamado,
tem um riso de morte, um riso mascarado
que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço.
Sou eu, doutor, sou eu este palhaço!

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